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Chico Buarque lança samba inédito e anuncia show para setembro

Depois de alguns anos praticamente dedicados à literatura, que resultaram no romance ‘Essa gente e no volume de contos ‘Anos de chumbo – cujo título e histórias refletem o contexto desses anos de baixo astral, pandemia, abandono e tragédia política – os dedos largaram as teclas do computador e finalmente de volta ao instrumento pareciam mesmo se rebelar e a procurar uma batida diferente, feliz, quase eufórica, uma levada ao violão como a insistir: ‘Que tal um samba?.

E aí, levada de samba nos dedos, cabeça e coração voltaram a pensar e a sentir a música e a agir. E Chico Buarque, como é bem de seu feitio, começou a recordar velhos sambas, um especialmente, sucesso de Blecaute no carnaval feliz de 1949, Que samba bom, composição de Geraldo Pereira também numa levada toda sincopada como a sua, algo eufórica, “ô, que samba bom/ô, que coisa louca/eu também tô aí/tô aí, que é que há/também tô nessa boca…”. Sambas sobre samba, o Feitio de oração de Vadico e Noel Rosa, essa tradição e esse espírito vinham junto com a levada ao violão como a propor ao compositor enferrujado: Que tal um samba?.

E aí, da levada criada exclusivamente pelos dedos se exercitando ao violão, o coração e a cabeça fizeram brotar uma melodia espontânea, fluente, a harmonia como sempre personalíssima. A letra, depois de alguns caminhos abandonados, veio aos borbotões. Um samba novo enfim, diferente de todos os outros que já fez, mas no mesmo espírito que baixa sempre quando o compositor de ‘Tem mais samba’, de ‘Apesar de você’, de ‘Vai passar’, de ‘De volta ao samba’ parece ter algo importante a notar e a dizer. Como sempre, nessas ocasiões importantes, em forma de samba.

“Um samba pra alegrar o dia

Pra zerar o jogo

Coração pegando fogo

E a cabeça fria

Um samba com categoria, com calma”

Que tal um samba?’ É o que nos propõe agora, em junho de 2022, Chico Buarque: “Para espantar o tempo feio/Para remediar o estrago”.

É o novo hino que Chico nos oferece, um samba que parece, como os dedos do compositor no início de tudo, buscar um tempo melhor (“Cair no mar, lavar a alma/Tomar um banho de sal grosso, que tal?”), espantar o baixo astral (“Sair do fundo do poço/Andar de boa”), procurar um samba pela cidade para se divertir (“Ver um batuque lá no Cais do Valongo/Dançar um jongo lá na Pedra do Sal/Entrar na roda da Gamboa”, diz, referindo-se aos berços e até hoje rodas de samba importantes no Rio).

Que tal um samba?’, este samba tão ao mesmo tempo urgente e já histórico, será lançado pela Biscoito Fino nas plataformas digitais neste dia 17 de junho. E é a grande novidade da turnê pelo Brasil que o compositor inicia em setembro, por João Pessoa e, depois de percorrer Natal, Curitiba, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e Brasília, chega ao Rio em janeiro e a São Paulo em março do ano que vem. No show, Chico terá no palco a companhia de Mônica Salmaso, a cantora dos compositores, que já gravou dois discos dedicados à sua obra (‘Noites de gala, samba na rua’, em estúdio e ao vivo) e fará números solo e duetos com ele, em todas as apresentações da turnê.

Conduzida evidentemente pela tal levada do violão de Chico, a gravação de ‘Que tal um samba?’ Foi feita no estúdio da Biscoito Fino pelo conjunto que o acompanha há muitos anos, dirigido por Luiz Cláudio Ramos, que toca o outro violão, João Rebouças no piano, Jorge Helder no baixo e Jurim Moreira na bateria. A cadência vibrante do samba fez necessária uma percussão, e para isso foi convidado Thiago da Serrinha. É um bandolim, do revolucionário do instrumento Hamilton de Holanda. Ambos, Thiago e Hamilton desde a introdução acompanham a caminhada literal do samba e costuram e enfeitam a gravação de contracantos e contrapontos exuberantes. Tornam-no ainda mais feliz.

Como ‘Apesar de você’ em 1970, ‘Que tal um samba?’ é em 2022 ao mesmo tempo um samba eterno, popular, mas essencialmente histórico, político. Política aí no sentido contemporâneo: vivida nas ruas, na praia, no futebol (“Fazer um gol de bicicleta/Dar de goleada”), no amor e na arte (“Deitar na cama da amada/Despertar poeta/Achar a rima que completa o estribilho”). E, sobretudo, na incorporação das causas mais abrangentes da vida das pessoas, como o antirracismo, explícito quando o samba propõe “Fazer um filho, que tal?”: “Um filho com a pele escura/Com formosura/Bem brasileiro, que tal?/Não com dinheiro/Mas a cultura/Que tal uma beleza pura”, em versos que citam a canção ‘Beleza pura’, de Caetano Veloso.

Tanto em 70, como agora, os sambas adotam uma posição evidente contra os governos de turno, e já celebram antecipadamente o seu fim (“Depois de tanta mutreta/Depois de tanta cascata/Depois de tanta derrota/Depois de tanta demência/E uma dor filha da puta, que tal?/Puxar um samba”).

É nessa postura desabridamente política que está, a meu ver, outro fascinante segredo da gênese de ‘Que tal um samba?’ e de seu encanto e importância. Sim, ele foi feito, como vimos, com os dedos, a cabeça e o coração, mas também com o inconsciente, esse “ambiente” tão importante para criação. Ele nem notou, enquanto compunha e gravava, a identidade de seu samba novo com ‘Eu quero um samba’, música consagrada pela gravação de João Gilberto que Chico escolheu para cantar quando, depois de quase 15 anos sem fazer show, voltou a se apresentar ao vivo em 1988. Além da levada parecida no próprio violão de Chico, ‘Que tal um samba?’ e ‘Eu quero um samba’ são versos em cinco sílabas, redondilhas menores, e sugerem a mesma coisa, o samba para superar o tempo ruim.

Aí entram talvez os caprichos do inconsciente e das coincidências: a dupla Janet de Almeida e Haroldo Barbosa também lançou seu samba num mês de junho, só que de 1945. Não, como no caso de Chico, em forma de delicada proposta, ‘Que tal um samba?’, mas de desejo afirmativo, ‘Eu quero um samba’: “Porque no samba eu sei que vou/Me acabar, me virar, me espalhar/A noite inteira até o sol raiar”.

É que em junho de 45, eufóricos enfim com a derrota do nazifascismo depois de seis anos de guerra na Europa, e com a participação do Brasil, JanetHaroldo e todo o samba brasileiro queriam e tinham mais é que já comemorar: “Vai melancolia/Eu quero alegria dentro do meu coração”, cantaria a plenos pulmões o grupo vocal Os Namorados da Lua, como a festejar a vitória do samba brasileiro sobre o fascismo e já vislumbrando a democracia brasileira que também seria estabelecida no ano seguinte.

Vivemos tempos ainda incertos, duros, pesados, e se Chico é mais cauteloso na proposta – ‘Que tal um samba?’ – já é ousadamente eufórico no samba que compôs para os dias que correm e os que virão. Que estarão ainda de luta, afinal: “De novo com a coluna ereta, que tal?/Juntar os cacos, ir à luta/Manter o rumo e a cadência/Esconjurar a ignorância, que tal/Desmantelar a força bruta”.

Ignorância é força bruta, talvez uma definição de fascismo, certamente do espírito que se apossou do Brasil nos últimos anos, e que agora o samba brasileiro vem esconjurar, desmantelar. Cantando e feliz, no streaming, no teatro, na rua, até o pesadelo acabar.

                                               Hugo Sukman, junho de 2022

 

 

 

FICHA TÉCNICA / SINGLE

 

QUE TAL UM SAMBA?

(Chico Buarque)

Um samba

Que tal um samba?

Puxar um samba, que tal?

Para espantar o tempo feio

Para remediar o estrago

Que tal um trago?

Um desafogo, um devaneio

Um samba pra alegrar o dia

Pra zerar o jogo

Coração pegando fogo

E cabeça fria

Um samba com categoria, com calma

Cair no mar, lavar a alma

Tomar um banho de sal grosso, que tal?

Sair do fundo do poço

Andar de boa

Ver um batuque lá no cais do Valongo

Dançar o jongo lá na Pedra do Sal

Entrar na roda da Gamboa

Fazer um gol de bicicleta

Dar de goleada

Deitar na cama da amada

Despertar poeta

Achar a rima que completa o estribilho

Fazer um filho, que tal?

Pra ver crescer, criar um filho

Num bom lugar, numa cidade legal

Um filho com a pele escura

Com formosura

Bem brasileiro, que tal?

Não com dinheiro

Mas a cultura

Que tal uma beleza pura

No fim da borrasca?

Já depois de criar casca

E perder a ternura

Depois de muita bola fora da meta

De novo com a coluna ereta, que tal?

Juntar os cacos, ir à luta

Manter o rumo e a cadência

Esconjurar a ignorância, que tal?

Desmantelar a força bruta

Então que tal puxar um samba

Puxar um samba legal

Puxar um samba porreta

Depois de tanta mutreta

Depois de tanta cascata

Depois de tanta derrota

Depois de tanta demência

E uma dor filha da puta, que tal?

Puxar um samba

Que tal um samba?

Um samba

 

Participação especial / Feat Hamilton de Holanda

Voz e violão: Chico Buarque

Bandolim – Hamilton de Holanda

Violão: Luiz Claudio Ramos

Piano – João Rebouças

Baixo – Jorge Helder

Bateria e percussão: Jurim Moreira

Percussão – Thiago da Serrinha

Gravado e mixado no estúdio Biscoito Fino por Lucas Ariel

Masterizado no estúdio Batmasterson por Luiz Tornaghi

Produção musical: Luiz Cláudio Ramos

 

FICHA TÉCNICA / SHOW

Turnê ‘Que tal um samba?’ – Chico Buarque

Artista Convidada: Mônica Salmaso

Cenário: Daniela Thomas

Iluminação: Maneco Quinderé

Figurinos: Cao Albuquerque

Arranjos, guitarra e violão: Luiz Claudio Ramos

Piano: João Rebouças

Baixo acústico e elétrico: Jorge Helder

Bateria: Jurim Moreira

Percussão: Chico Batera

Teclados e vocais: Bia Paes Leme

Sopros: Marcelo Bernardes

PATROCÍNIO: ICATU

ROTEIRO DA TURNÊ 2022/2023

JOÃO PESSOA – Teatro Pedra do Reino

Dias 06 e 07 de setembro

NATAL – Teatro Riachuelo

Dias 09 e 10 de setembro

CURITIBA – Teatro Guaíra

Dias 23 e 24 de setembro

BELO HORIZONTE – Palácio das Artes

Dias 05, 06, 07 e 08 de outubro

FORTALEZA – Centro de Eventos do Ceará

Dias 22 e 23 de outubro

PORTO ALEGRE – Auditório Araújo Vianna

Dias 03 e 04 de novembro

SALVADOR – Concha Acústica

Dias 11, 12 e 13 de novembro

BRASÍLIA – local a ser anunciado

Dias 29 e 30 de novembro

RECIFE – Teatro Guararapes

Dias 08, 09 e 10 de dezembro

RIO DE JANEIRO – Vivo Rio

De 05 a 15 de janeiro (quinta a domingo)

SÃO PAULO – Tokio Marine Hall

De 02 a 12 de março; de 23 de março a 02 de abril (quinta a domingo)

Agenda

SALVADOR

Local: CONCHA ACÚSTICA DO TEATRO CASTRO ALVES (TCA)

Praça Dois de Julho, s/n, Campo Grande

ESTREIA: 11 de novembro (sexta-feira)

Temporada: 11 a 13 de novembro (sexta a domingo)

Horário: 19h (abertura dos portões – 18h)

Abertura das vendas: 24 de junho (sexta-feira), às 10h

Preços:

Camarote: R$ 480,00 (inteira) / R$ 240,00 (meia)

Plateia: R$ 240,00 (inteira) / R$ 120,00 (meia)

Ingressos em bilheteriavirtual.com.br

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