Mesa da FLICA que recebeu Liniker e Jota Mombaça abordou a poesia como lugar de não obediência à lógica do mercado

“Foi a minha poesia que sempre me deu a mão desde quando eu nem sonhava em ser cantora e compositora” revelou Liniker, a porta-voz de maior destaque da causa trans hoje no Brasil, para uma plateia lotada e atenta no espaço Tenda Paraguaçu durante a tarde do primeiro dia da Festa Literária Internacional de Cachoeira – FLICA, quinta (17), ao lado da também convidada escritora e artista ativista visual brasileira Jota Mombaça na mesa “Criar dentro dos sonhos, inaugurar línguas, destruir processos”, mediada pela artista, pesquisadora e modativista Carol Barreto.

Para as artistas convidadas, antes de falar de sonhos, é preciso buscar o medicamento da alma, conseguir dar nomes às opressões para enfrentá-las, o que só se torna possível a partir da elaboração de uma outra gramática, um outro vocabulário, que denuncia aquilo que as diminui. ‎”Quando eu comecei a escrever e fazer minhas próprias poesias com 15 anos, eu tinha muita dificuldade de entender quem eu era. E aí, quando eu escrevia, essa poesia foi me dando um lugar de indivíduo, ela nasceu como reconhecimento e me fez entender que ela me transformava e que aquilo poderia virar não só um lugar de sonho, mas um lugar também de alimentação e sustento. A música nesse tempo era ainda guardada no lugar mais secreto de mim”, conta Liniker.

No entendimento da poesia como lugar de intimidade e transformação, Mombaça lembra que ela, exatamente por isso, não deveria ser apenas resposta às opressões, mas sim resultado daquilo que nos move. “Devemos poder sonhar não como resposta pelo que a gente sofre, e sim sonhar com as possibilidades que vibram no nosso peito, precisamos não estar confinados à necessidade de responder à injúria racial e ao comentário transfóbico, para que possamos acessar uma dimensão muito mais excitante da criação com a responsabilidade de influenciar outras pessoas para abertura de outros caminhos”

Contra a urgência do mercado – Assim como não deveria apenas ser uma resposta ao opressor, Liniker e Mombaça reagem ao fazer artístico que nasce em resposta à lógica de urgência do mercado, que está sempre em busca de um lançamento e de uma obra nova, como se o futuro morasse no novo, o que pode ser um grande equívoco.

Liniker lembra que hoje, diferente de antes, ela não é só a pessoa que que canta e escreve, mas também a pessoa que faz a produção musical dos seus discos e, com isso, em Caju, seu mais novo álbum, consegue levar o sentimento ao detalhe “Agora não é o só o jeito que eu canto e o jeito que eu escrevo, é também o que eu decido sobre a textura e a durabilidade desse som que eu quero apresentar para as pessoas. Em Caju, por exemplo, eu não sigo o tempo mercadológico das músicas simplesmente porque eu entendi que, dentro do meu desejo, não faz sentido eu dizer tudo que eu sinto em dois minutos e meio”.

“Quando meu livro foi lançado em 2021, eu parei de escrever por um tempo porque eu não estava mais me surpreendendo com meu próprio pensamento, e eu acredito que a criação tem como ser uma coceira que te tira da cama porque a gente tem que respeitar o tempo da surpresa, porque precisamos desse espaço em que a gente se reelabora. Mas, ao mesmo tempo, a dinâmica do tempo é muito difícil porque a gente vem de uma história de precariedade e dizer não a um mercado que quer te engolir exige uma forma muito particular de coragem. Mas o que eu acredito é que a produção do futuro só se dá quando a gente se afirma no presente, e o presente não é um lugar que se vive às pressas”.

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