Exposição “Ecologia de sentidos” percorre o Nordeste

A exposição “Ecologia das Sensações, Panorama da 3ª Fotografia da Bahia”, premiada pela Funarte, segue uma guinada para o Nordeste. A partir de setembro de 2024, a exposição já passará por Pernambuco e Rio Grande do Norte, e em breve será encontrada no Maranhão, até maio. No segundo semestre, a exposição segue para a Paraíba e depois retorna à Bahia para o lançamento do catálogo do projeto.

O Panorama é resultado da pesquisa realizada pelo curador e organizador Marcelo Reis, coordenador do Instituto Casa da Photographia, a respeito da nova geração da fotografia baiana, que surge, mais especificamente a partir do século XXI, nos anos 2000, sendo denominada como a 3ª geração. “Diferentemente das demais gerações, essa última tem como questão central em suas obras a estética e as poéticas relacionais, deixando de lado a ideia de mundo exterior e potencializando os seus mundos interiores e as suas questões de vida contemporânea”, explica Marcelo Reis.

O projeto, que foi o único do Nordeste, em sua categoria, a ser premiado com a Bolsa Funarte de Artes Visuais Marcantonio Vilaça 2023, tem como homenageado o fotógrafo Akira Cravo (in memoriam), neto do escultor Mário Cravo Júnior e filho do também fotógrafo Mário Cravo Neto, exercendo, esse último, influência na 3ª geração da fotografia baiana. O fotógrafo Christian Cravo, irmão de Akira Cravo (in memoriam), acredita que a homenagem feita pelo Panorama trata-se de “uma iniciativa importante para celebrar a fotografia baiana”.

Conforme o crítico Bené Fonteles, “através do Panorama, a gente pode ver que tudo aquilo que foi plantado nos anos 40, especialmente com a chegada de Pierre Verger [à Bahia], floresceu, ficou muito forte”, declarou. O artista visual disse que “é impressionante como eles [fotógrafos (as) da 3ª geração] discutem essa questão do corpo e da liberdade que esse corpo tem para se expressar”, referindo-se a como o trabalho da geração atual da fotografia é “um corpo poético visceral que busca inspiração nas ancestralidades”, afirmou.

É no diálogo com as ancestralidades que o material do Panorama é criado mesmo. De acordo com a fotógrafa indígena Elis Tuxá, suas fotografias presentes na exposição fazem parte da série produzida por ela, chamada Ihendzi, que significa “árvore” na língua Dzubukuá. Nos registros, a cor vermelha predomina, pois, conforme Elis, “é uma cor que me atravessa enquanto indígena, carregando significados que oscilam entre força e morte. Cresci lendo o vermelho dentro dessa dualidade. Ele está presente no urucum com que pintamos nossos corpos em rituais de cura e proteção, mas também é a cor do sangue, que nos mantém vivos e, ao mesmo tempo, nos remete à morte e ao genocídio. Essa tensão entre vida e ausência, resistência e dor, pulsa em cada imagem da série”, comunicou.

A luta pela resistência também sempre esteve presente na vida do fotógrafo Raimundo Cavalhier, que, sobretudo por meio da sua participação no movimento negro, aprendeu que “existir, resistir e narrar são atos poderosos”, fazendo de sua fotografia “uma forma de dar corpo às memórias, aos territórios e às raízes” que os sustentam. Nascido e criado em um quilombo próximo ao Rio Catu, o artista afirmou ter aprendido que “as águas guardam histórias, assim como a pele, o olhar e os gestos do meu povo. Meu trabalho fotográfico bebe dessa ancestralidade, buscando resgatar o que sempre esteve aqui, mas que tantas vezes tentaram apagar. No movimento negro, encontrei ecos dessas mesmas urgências: a luta pela visibilidade, pelo direito à memória, pelo pertencimento”, declarou Raimundo.

É por meio da evocação das memórias que a fotógrafa Helen Salomão também realiza seu trabalho. “Meu anseio mais profundo ao compartilhar fragmentos de memórias é que as pessoas se deleitem nos pequenos detalhes de suas vivências e se sintam motivadas a também registrar, co-criar e investigar suas próprias memórias a partir de diversas formas de expressão”, contou Helen. A fotógrafa disse também que entende a importância de acessar determinadas memórias, pois “elas podem abrir janelas para uma infinidade de perspectivas e oportunidades, tanto imediatas quanto futuras”, afirmou a artista, que também compõe o grupo de fotógrafas (os) que têm suas obras presentes no Panorama.

A exposição reúne 104 imagens de 26 artistas que revelam em seus registros fortes influências decoloniais, de resistência contra as violências de gênero e de raça, em diálogo com as temáticas do Corpo, da Memória e do Sagrado. Sob a guiança de que “Todo Corpo é água, toda água é Memória, tudo que é memória é Sagrado”, a mostra é organizada então em três núcleos temáticos:

CORPO – conta com as obras de Akira Cravo (in memoriam), Alex Oliveira, Ananda Nunes, Edgar Azevedo, Emanoel Saravá, Isabel Ramos, Lucas Moreira e Renan Benedito.

MEMÓRIA – reúne as fotografias de Adalton Silva, Adriano Machado, Cristina Cenciarelli, Helen Salomão, Juh Almeida, Ivã Coelho, Paulo Coqueiro e Raimundo Cavalhier e Shai Andrade.

SAGRADO – constituído pelos registros de Andrea Fiamenghi, Arthur Seabra, Elis Tuxá, Ismael Silva, Gilucci Augusto, Hugo Martins, Leila Chandani, Tacun Lecy e Vinicius Xavier.

A fotógrafa Elis Tuxá, que faz parte do núcleo curatorial do Sagrado, disse ter sentido que seus registros, presentes na série e no Panorama, precisavam “carregar algo que resumisse a força da minha comunidade: as mulheres. Elas são o alicerce, o coração pulsante da nossa resistência e continuidade. Busquei refletir a potência e a sabedoria que as mulheres indígenas carregam, tanto em suas ações cotidianas quanto nos rituais e na preservação da nossa cultura. A força delas, muitas vezes invisibilizada, é central para a nossa identidade e luta na aldeia Tuxá”, afirmou.

É pela visibilidade à existência e ao protagonismo de seu povo que Raimundo Cavalhier também fotografa. “Seja nas feições marcadas pela sabedoria dos mais velhos ou na força expressiva dos corpos que dançam, trabalham e sonham, busco construir imagens que não apenas contem uma história, mas que também nos devolvam o direito de sermos os autores dela”, declarou o fotógrafo.

O crítico Bené Fonteles definiu as obras do Panorama da 3ª geração da Fotografia da Bahia como possuindo “uma estética muito interessante, instigante e provocadora”, e que “Marcelo [o curador] soube arrumar de uma forma que fizesse diálogos entre as obras de um artista e outro para que essa coisa do instigante ficasse ainda mais forte”, reiterou o artista.

 

CIRCUITO

Principal

Por onde a exposição passou:

De 11 de setembro a 13 de outubro de 2024 – Panorama da Fotografia da Bahia no Centro Cultural Mercado Eufrásio Barbosa, Largo do Varadouro, s/n, Varadouro, Olinda, Pernambuco. Horário de visitação: de terça-feira a domingo, das 9 horas às 17 horas.

De 07 de novembro de 2024 a 08 de fevereiro de 2025 – Panorama da Fotografia da Bahia na Pinacoteca Potiguar, Praça Sete de Setembro, s/n – Cidade Alta, Natal, no Rio Grande do Norte. Horário de visitação: de terça-feira a sexta-feira, das 8 horas às 17 horas | domingo, das 9 horas às 16 horas.

Por onde a exposição está:

20 de março a 17 de maio de 2025- abertura e encerramento do projeto Panorama da Fotografia da Bahia no Chão SLZ – Espaço Internacional de Arte, Rua do Giz, 167, Centro, São Luís, Maranhão. Horário de visitação: de terça-feira a sábado, das 14 horas às 19 horas.

Extra

Próxima parada:

04 de julho até 1º de dezembro de 2025 – abertura e encerramento do Panorama da Fotografia da Bahia, assim como lançamento do livro alusivo ao projeto e demais atividades, em Salvador, Bahia.

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